Facebook Pixel As camadas de valor de um alimento que o P&D deve prestar atenção - Blog - Duas Rodas

As camadas de valor de um alimento que o P&D deve prestar atenção

junho 12, 2019

Tempo de leitura7 minutos

Muito além de matar a fome, nutrir e propiciar saúde ao ser humano, o alimento traz outros valores menos tangíveis, mas importantes como conexão, história e simbologia, defende a engenheira de alimentos Cristina Leonhardt. Explorar estes aspectos pode ajudar a indústria a inovar ainda mais.


 

O valor de um alimento transcende as necessidades fisiológicas de saciedade, nutrição e saúde do ser humano. É muito mais significativo. Afinal, o ato de comer proporciona uma das mais complexas (e ricas) experiências sensoriais, mexe com as emoções, traz tranquilidade, conforto e influencia, inclusive, na nossa disposição e no nosso humor.

Para a engenharia de alimentos Cristina Leonhardt, fundadora do site Sra. Inovadeira e co-fundadora da Tacta Food School, há várias camadas de valor em um alimento que precisam ser consideradas pelas áreas de pesquisa e desenvolvimento das indústrias de alimentos durante um processo de criação.

Ela identifica 5 camadas de valor no alimento: como combustível, como nutrição e saúde, como conexão, como história e como símbolo. Segundo ela, cada valor tem seus contextos e funções distintas:

  • como combustível, suprindo as necessidades de saciedade.
  • de nutrição e saúde, ao propiciar nutrientes necessários para a preservação da vida e da saúde do ser humano.
  • como conexão, porque através da comida as pessoas se conectam com as pessoas ao redor. “Eu tomo café da manhã, almoço e janto com meu marido e minha filha quando estou em casa. Quando as pessoas marcam um happy hour, escolhem um lugar onde se possa beber e comer alguma coisa. Por que? Porque através da comida a gente se conecta com as pessoas ao redor”, exemplificou ela.
  • como história, porque os alimentos fazem parte da evolução da humanidade, contam a história de uma família. “Por exemplo, minha bisavó fazia para mim torrada de três andares com pão de forma e queijo, em uma torradeira na boca do fogão. Até hoje, para mim, torrada (ou misto quente) é feita em torradeira na boca do fogão. Não quero usar torradeira elétrica. Eu quero fazer aquilo que a minha bisavó fazia, porque foi isso que aprendi, e isso me conecta com a minha história”.
  • como símbolo, porque o alimento é naturalmente simbólico, tem camadas infinitas de simbolismo. “Se eu vou servir um alimento para minha filha, por exemplo, ele não apenas é um combustível para ela, mas traz nutrição e saúde, faz a minha conexão com ela, conta a minha história, a história da nossa família se, por exemplo, for servir uma lasanha que a minha mãe fazia. Mas também é um símbolo do que eu desejo para ela, para o futuro dela, um símbolo do meu amor por ela, e o símbolo de nossa história juntas e o símbolo de todo esse caminhar que a gente tem”.

Cristina LeonhardtFonte: palestra Cristina Leonhardt

Cristina defende que a indústria que consegue acessar todos esses valores de um alimento, acessa algo que é impagável e cria um diferencial, um valor imenso para o seu produto.

Mas como chegar lá?

Cristina alerta para a necessidade de prestar atenção a uma questão extremamente relevante: “O consumidor mudou muito, quer se sentir especial, único. Por isso, é importante entender o ser humano. Porque entender de um alimento os profissionais da área técnica entendem e tiram de letra, mas o que está faltando é entender mais do ser humano”, aponta a engenheira de alimentos que atuou durante 13 anos em pesquisa e desenvolvimento em indústrias de alimentos.

Em entrevista exclusiva ao blog Flavors & Botanicals, Cristina aborda iniciativas que podem ajudar as áreas de P&D a atender todas as camadas de valor.

 

P&D deve investir em conhecimentos complementares

“A camada combustível é muito acessível para quem vem da área técnica e trabalha em pesquisa e desenvolvimento. Já a camada de nutrição e saúde exige um conhecimento do papel fisiológico do alimento. Daí já estamos falando de nutricionistas que estejam trabalhando dentro da área de pesquisa e desenvolvimento. Se a gente for olhar ao redor, claro que existem nutricionistas nesta área, mas dá para contar nos dedos. Essa área é dominada pelos profissionais das engenharias, das ciências de alimentos, das tecnologias que, sim, têm um conhecimento de nutrição, de fisiologia humana, mas nem comparado ao conhecimento que se adquire nas faculdades de nutrição. A defasagem é grande e vejo a necessidade de contratar mais nutricionistas para trabalhar em pesquisa e desenvolvimento.

As próximas três camadas, de conexão, história e símbolos, exigem um conhecimento que passa ao largo da maior parte das carreiras técnicas. Talvez na faculdade de nutrição se veja um pouco sobre isto, como a questão da comensalidade, mas falo agora de disciplinas da sociologia, da antropologia, da própria história da alimentação. Talvez não seja possível para uma área de pesquisa e desenvolvimento contratar profissionais formados em ciências sociais, em antropologia, psicologia, sociologia, por encarecer a operação. A saída, então, pode ser o próprio técnico buscar estes conhecimentos complementares, lendo a respeito, fazendo cursos ou especializações na área de humanas.”

 

Percepção x realidade

“É preciso lembrar também que existe uma coisa que é realidade e outra coisa que é percepção. E essa questão da percepção é algo que passa ao largo das faculdades técnicas, a gente não estuda sobre isso, a gente não tem formação para entender como se dá a percepção humana das coisas. Claims tipo gourmet, por exemplo. É um claim totalmente baseado em percepção, não tem nada de técnico ali. Só que é uma realidade, o consumidor olha para o claim gourmet. E o pessoal da área técnica entra em conflito quando a percepção e a realidade não batem.

Por isso, reforço que um caminho para suprir esta questão seria a indústria estimular os profissionais técnicos para que não se aprofundassem apenas nas carreiras técnicas, mas também fossem buscar formações complementares que os fizessem entender o ser humano.”

 

Começar entendendo o consumidor

“Eu defendo o uso do design thinking dentro da área de alimentos para transformar os alimentos em serviço inclusive. O desenvolvimento começa todo em entender o consumidor. E isto normalmente é feito através de entrevistas em profundidade com consumidores das regiões que que são de interesse. E, a partir daí, com esse conhecimento em profundidade, usar os relatórios de inteligência para dar apoio às decisões, fazer brainstormings internos para sessões de ideação, mas sempre com pano de fundo as entrevistas com pessoas reais.”

 

Explorar estas camadas de valor apresenta-se uma estratégia extremamente interessante para as indústrias de alimentos e bebidas. Por isso, é preciso questionar, por exemplo, qual é o valor do seu produto para o seu consumidor? Ele permeia valores além do combustível e da nutrição e saúde?

Entender com profundidade o consumidor e investir em conhecimentos complementares para compreender os diferentes contextos de um alimento na vida do ser humano são aspectos que podem subsidiar ainda mais a área de pesquisa e desenvolvimento na criação de produtos inovadores e que atendam as expectativas dos consumidores.


E para você, atender estes quesitos de valor em um produto pode trazer diferenciação? A sua empresa explora estas camadas no desenvolvimento de seus produtos? Conte para nós!

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